Nesta exposição, as imagens, maiormente pintadas a óleo sobre tábuas, traduzem algo da nossa história contada pela mão de um artesão, que, conhecedor das tradições e do seu espaço-tempo, encontrou na pintura um modo para aludir ao testemunho vivo acerca do que terá sido a festa de outrora, acerca do que seriam alguns dos ritos mediados entre as estações do ano e que, combinadas aos cultos do campo e da religião cristã, arruavam a gente, na sua hora de lazer aos caminhos, para cultuar certos e determinados lugares (como aqueles a que podemos retomar seguindo o mapeamento da pintura do artista).
Podemos ter de ir lembrando que apesar de a pintura de Ramos Santos ser caracterizada pelo uso exuberante da cor e da profusão de figuras, o abandono, o despovoamento, a via obstruída ou a ruína é a real vicissitude dos lugares acerca dos quais as suas obras recriam a expressão festiva, na diversidade de figuras e pequenas multidões.
Assim, e não obstante, a pintura de Ramos Santos signa a alegria e segue uma história do espaço de outro tempo, mas como se a vivaz tenacidade aflorasse hoje com o entusiasmo jovial de tantos e felizes dramas, que por terem sido muito vividos, ou porque enfaticamente pintados numa expressiva dança ritmada da ideia de cena de conjunto, nos vão conduzindo a focar a atenção no detalhe icónico de cada figura, ao mesmo tempo que nos remetem a um encadeamento de romarias, a cujo espaço-tempo resiste essa perspetiva pictórica cenográfica-teatral.
Esta, tal qual a que caracteriza muitas vezes a memória oral dos contadores de histórias, virtualizará algo do significado dado ao carácter poético da pintura naïf, ainda que, e como todas as tentativas de estabelecer limites categóricos em arte, tal seja, essencialmente, um modo de abrir uma versão de “controversas versões”.
O Pintor Ramos Santos é um pintor bem-sucedido, granjeado com vários prémios na categoria de pintura naïf, mas que procura deixar o seu distinto carácter aperfeiçoando o modo de criar a relação entre o espaço de fundo paisagístico e a configuração de múltiplas personagens. De uma maneira profícua e incansável a produção de obras vai aprofundando uma temática, colectando informação fotográfica, situando o curso do viço, procurando recriar a beleza que o marcou, aparentemente como se ela estivesse alicerçada a um ver peregrino e ao testemunho do êxtase colectivo. Assim, ao mesmo tempo que vai sistematizando o seu interesse pelo evento-história, o artista apreende o poder de comparação de imagens, como se a constatação da crua realidade (que não é mais o que já foi) acrescentasse ânimo à produção pictórica, creditando a possibilidade da arte para presentificar. (…).